O suplício começa na paragem das Urbanas de Beja.
São duas horas da tarde e a temperatura ambiente atinge os 37 graus centígrados.
A única sombra é a dos prédios vizinhos.
O PÚBLICO prepara-se para fazer o percurso completo de uma das carreiras que percorrem maior distância e atravessam os mais problemáticos bairros periféricos da cidade que, nesta altura do ano, regista as mais elevadas temperaturas de Portugal.
O pequeno autocarro, com capacidade para 14 lugares sentados e quatro de pé, abre as portas automáticas no meio de uma forte chiadeira a revelar falta de óleo ou de manutenção. Antes de entrar na viatura, uma senhora pergunta se o transporte tem ar condicionado. "Quer dizer... ele vai ligado", responde o motorista enquanto valida os bilhetes de quem entra. "Mas é o mesmo que nada. Não sinto ar fresco", reage a passageira. "Olhe, nem sei se está a dar, se não", resume o condutor pondo a viatura em andamento.
Com efeito, o sistema de ar condicionado não funciona. Basta olhar para a expressão de quem viaja num transporte demasiado bamboleante e que não dispõe de janelas que possam ser abertas, ao menos para que o ar circule, nem de cortinas que tapem os raios de sol. "Que horror! Que horror!", desabafa uma passageira que utiliza a mão para se abanicar.
O percurso, tipo gincana, com curvas apertadas e piso em más condições, profusamente preenchido de barreiras sonoras, leva-nos ao Hospital de Beja. A roupa já cola ao corpo e os lenços limpam o suor que corre pelo rosto e o pescoço. O transporte colectivo, com a sua capacidade máxima, já preenchida, ruma para os bairros periféricos da cidade.
Os que viajam de pé agarram-se como podem, ao que podem. O jogo de cintura impunha-se para manter o equilíbrio. "Como é que se pode viajar nestas condições e em dias destes, com um calor abrasador", questiona-se um passageiro que segue para a zona industrial da cidade com a esposa. "Não volto a meter aqui os pés", conclui o homem, incomodado com os odores demasiado concentrados num espaço com fraca ventilação, apenas assegurada por uma pequena clarabóia no tecto do transporte. Dá para reconfortar quando a viatura leva velocidade. Mas quando esta reduz o ar da fornalha vindo do exterior aumenta o suplício.
O motorista não tem melhor sorte. O rosto afogueado e as manchas de transpiração na sua camisa branca demonstram que conduzir naquelas condições é tão difícil quanto viajar como passageiro.
"Foi insuportável", desabafa uma mulher que todos os dias utiliza o serviço das "Urbanas" de Beja na deslocação para o local de trabalho. Não é só o calor. "São os balanços que nos dá cabo dos rins e da coluna" e o cheiro intenso a transpiração, dos corpos concentrados num espaço pequeno e fechado. O chão do autocarro está pejado de nódoas, de terra e de pedaços de papéis, a revelar que a falta de civismo é outro dos constrangimentos que tornam desagradáveis os transportes urbanos de Beja.
Noticia "Jornal Publico"